A insatisfação do ser – Por João Teodoro

Uma citação na internet despertou minha curiosidade para a crônica de Fernando Veríssimo denominada “Versões de mim”. Nela, ele faz interessante reflexão sobre a incidência da partícula “se”, como vocábulo condicional, na vida de cada um de nós. Se eu tivesse; se eu fizesse; se eu tivesse feito; se eu tivesse decidido de tal forma; se eu tivesse me casado com Doralice. Uma sucessão infindável de “ses” que se nos aflora apenas como maneira de encontrar justificativa para nosso fracasso. Definitivamente, não é a melhor forma de encarar a vida.

Não há justificativas. Não as encontraremos. A cada “se” se sucederão vários “mas”, que desviarão o raciocínio justificador. Somos seres repletos de insatisfações. Isso é característica da humanidade. Nosso problema está em como transformá-la em algo positivo, que nos permita superar os momentos de dúvida. Só assim deixaremos de lidar com tantos “ses”. Depende de sabermos encarar nossos momentos de carência. Infelizmente, somos submetidos a um sistema tão estressante, que consegue nos subtrair a consciência de nossa falibilidade.

Somos, portanto, falíveis. Ninguém é perfeito! Se pudéssemos, conscientemente, voltar ao passado e realizar, ao invés do que realmente ocorreu, uma das alternativas propostas pelo
“se”, com toda certeza, dentro dela, encontraríamos vários outros “ses” que nos induziriam a um eterno círculo vicioso de retorno ao passado, na tentativa de encontrar o “se” menos imperfeito. Assim sendo, ao tentar justificar nossos fracassos especulando alternativas, o que conseguiremos será apenas uma infindável sucessão de angústias insolúveis.

Como então tornar positivas nossas frustrações? A vida e o que ela de nós exige são capazes de nos desviar do que realmente importa para sermos felizes. No passado remoto, a vida era bem mais simples. Não havia cinema, televisão, consumo desenfreado, altas expectativas… Tudo se limitava às necessidades básicas da sobrevivência. Com o passar do tempo, as coisas mudaram. O homem potencializou sua ambição natural pelo progresso. E, por causa dela, passou a criar mais e mais necessidades. Sua não satisfação é fato gerador de muita angústia.

Entretanto, segundo o filósofo alemão Martin Heidegger, essa angústia nem sempre é negativa. Só precisa ser compreendida e modulada. Para exemplificar, ele cita um quebra cabeças cuja movimentação eficiente das peças (formação de sequência lógica) exige um espaço vazio entre elas. Sem ele, as peças simplesmente não podem ser movimentadas. Esse espaço vazio simboliza a lacuna interior do ser humano. Heidegger acredita que essa sensação de vazio é a responsável pelo desejo incontrolável da humanidade de evoluir e criar novas possibilidades.

Lamentavelmente, parece que perdemos a capacidade de modular nossas angústias. O que foi planejado por Deus para ser indutor de progresso passou a ser estressante e escravizante. Por isso, temos tantos “ses” em nossas reflexões. A crônica citada reflete bem a vida dos Corretores de Imóveis. Todos os dias, enfrentamos situações que exigem decisões imediatas. Nossa vida é tal e qual a de Hamlet, de Shakespeare: Ser ou não ser, eis a questão! A propósito, a crônica se conclui com a frase de Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”.

Por João Teodoro – Presidente do Cofeci