Caixa não subirá taxas do crédito imobiliário tão cedo e lançará megaoperação de microcrédito

Mesmo com o aumento da Selic em 0,75 pontos percentuais, para 2,75% ao ano, na última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), e na iminência de uma nova alta na próxima reunião em maio, Pedro Guimarães, presidente da Caixa Econômica Federal, afirmou em entrevista ao InfoMoney que o banco não deve elevar a taxa de juros dos financiamentos imobiliários tão cedo.

“No momento não discutimos um aumento das taxas de juros. Poderemos fazer ajustes, mas por enquanto não teremos taxas mais altas. […] Mesmo com um potencial aumento na taxa em breve, não [vamos subir as taxas]”, afirmou o executivo em live realizada nesta sexta-feira (9).

Hoje, a Caixa conta com quatro linhas de financiamento imobiliário: a mais tradicional, atrelada à Taxa Referencial (TR), atualmente zerada, mais uma taxa fixa; a atrelada ao IPCA; uma terceira e mais recente, atrelada à remuneração da poupança; e a modalidade sem indexador, que conta com uma taxa fixa.

Modalidade Taxas cobradas atualmente
TR TR (atualmente zerada) + taxa fixa (que varia entre 6,25% a.a. e 8% a.a.)
IPCA variação do IPCA + taxa fixa (que varia entre 2,95% a.a. e 4,95% a.a.)
Poupança Remuneração da poupança (hoje em 1,92% ao ano) + taxa fixa (que varia entre 3,35% a.a. e 3,99% a.a.)
Taxa pré-fixada taxa fixa (que varia entre 8% a.a. e 9,75% a.a.)

 

Por que a Caixa deve manter os juros mesmo com a Selic mais alta?

Durante a live, Guimarães explicou como funciona cada uma das linhas para explicar por que não prevê aumento de taxas por enquanto. Ele disse que tanto a opção atrelada à poupança quanto à atrelada ao IPCA têm indexadores que acabam acompanhando naturalmente os aumentos da Selic. A linha indexada à TR também tende a subir quando a Selic aumenta, mas o impacto do aumento dos juros básicos na TR é menor.

De qualquer forma, as três modalidades também têm taxas fixas, além dos indexadores e segundo o presidente da Caixa, os juros prefixados não devem ser alterados por ora.

“Essa movimentação do Banco Central [de subir a Selic] teve dois efeitos: reduziu a taxa de câmbio, e segundo, segurou a expectativa das taxas DIs (Depósitos Interbancários) mais longas, que são as mais importantes. Havia uma expectativa do mercado, de que se não houvesse o aumento de curto prazo na Selic, poderíamos ter um aumento da inflação daqui a três, quatro anos [mas isso não se concretizou, já que o BC subiu a Selic]”, explicou.

Basicamente, essas taxas de juros mais longas são formadas a partir de negociações que acontecem com DIs futuros, ou seja, com títulos cujas taxas são baseadas nas expectativas dos investidores sobre os juros do país no futuro. Portanto, a chamada curva futura de juros é uma espécie de termômetro que mostra o custo do dinheiro no longo prazo.

A decisão do BC de fazer uma elevação da Selic maior do que o esperado, reduziu as expectativas de inflação para o futuro (já que juros maiores ajudam a conter a inflação). Portanto, apesar do aumento dos juros no curto prazo, a expectativa sobre os juros mais à frente diminuiu, o que permite a manutenção dos juros dos financiamentos imobiliários nos patamares atuais.

Questionado se os juros devem subir a partir da próxima reunião do Copom, em maio, uma vez que BC sinalizou que deve fazer uma nova elevação de 0,75 ponto percentual nessa reunião, Guimarães explicou que a Caixa só deve subir a taxa de juros dos financiamentos, se houver uma expectativa de que as taxas DIs futuras superem as atuais.

“Enquanto estivermos com a estrutura atual de juros, há ganho para a Caixa tanto no crédito imobiliário em si, quanto em outros produtos que os clientes fecham com a Caixa, como seguros, cartões, investimentos”, disse o executivo.

Guimarães acrescentou que a Caixa possui cerca de R$ 150 bilhões de recursos advindos da poupança para continuar ofertando crédito aos consumidores, a despeito dos recentes resultados negativos apresentados pelo BC sobre o saldo da poupança, que apresentou mais resgates do que depósitos nos três primeiros meses de 2021.

“Temos uma carteira de cerca de R$ 500 bilhões em crédito imobiliário dividido em dois fundings [fontes de recursos para os financiamentos]: poupança e FGTS. Hoje, desse total, há cerca de R$ 250 bilhões sendo emprestados à população mais carente via FGTS e a outra metade à classe média via poupança. Mas temos um volume de cerca de R$ 400 bilhões na poupança, o que nos dá espaço para emprestar mais ao longo dos próximos anos”, explica.

Caixa anuncia microcrédito

Também durante a live, Guimarães compartilhou uma novidade: a Caixa vai ofertar uma nova linha de microcrédito que deve atingir cerca de 10 a 30 milhões de brasileiros de baixa renda, com uma taxa média que poderia variar entre 3% e 3,5% ao mês. “Teremos a maior operação de microcrédito, que será feita exclusivamente pelo banco digital Caixa Tem, e vai impactar de 10 a 30 milhões de brasileiros”, informou o executivo.

Na prática, a Caixa pretende atrair clientes que hoje fazem uso de linhas de crédito automáticas, como o cheque especial ou o rotativo de cartão de crédito, que possuem juros que passam de 10% ao mês. “Essas pessoas vão desenvolver uma curva de aprendizado com o microcrédito. Uma boa parte já toma crédito, mas com taxas muito altas e vamos oferecer melhores condições”, disse.

O presidente da Caixa explicou que o Caixa Tem, app que operacionaliza o pagamento do auxílio emergencial deve passar por uma revitalização para se posicionar como o “banco digital brasileiro voltado à população mais carente”. Sua nova estrutura deve ser baseada em três grandes pilares. O primeiro, já ativo, é o de pagamento de benefícios sociais, como o auxílio emergencial, que já conta com 30 milhões de usuários ativos por mês, número que chegou a bater 107 milhões na primeira rodada de pagamento do auxílio.

O terceiro pilar do Caixa Tem seria o financiamento imobiliário voltado à população de baixa renda, segmento no qual a Caixa tem 99% de participação de mercado, segundo Guimarães. “Esses três produtos são produtos que têm o perfil de um banco digital para a população mais carente, onde a Caixa basicamente é única, está presente de uma maneira muito forte.”

Segundo ele, a ideia inicial era começar a ofertar a nova opção de microcrédito ainda em abril, mas o prazo deve ser adiado porque a Caixa ainda aguarda autorizações do BC.

Toda essa reestruturação no Caixa Tem tem por trás o objetivo de tornar o banco digital da Caixa mais atraente para a sua oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), que Guimarães disse que deve acontecer na B3 e ao mesmo tempo em outra bolsa no exterior.

“O BC está fazendo as análises de forma rápida [sobre o IPO] e as interações com a Caixa têm sido tranquilas, mas são 107 milhões de CPFs únicos, é uma operação gigante que está demandando um pouco mais de tempo. Mas teremos um banco digital com uma escala de atendimento que nenhum outro banco terá”, afirmou o executivo.

Microcrédito vale a pena?

Rafael Schiozer, professor de finanças da Fundação Getúlio Vargas, explica que, do ponto de vista de política pública, esse formato de microcrédito é positivo. “Faz muito sentido neste momento, principalmente para as pessoas físicas que estão enfrentando uma situação financeira complicado devido à pandemia. Ter acesso ao microcrédito dá uma sobrevida às finanças pessoais”, diz.

Pensando na lucratividade da Caixa, é menos vantajoso, segundo Schiozer. “Mas a Caixa está cumprindo um papel de banco estatal, de suavizar os ciclos econômicos ruins, recompondo a falta de crédito em momentos de crise como este que vivemos”, avalia.

Juliana Inhasz, professora de economia do Insper, pontua que o consumidor precisa ficar atento para avaliar se vale a pena entrar em mais uma dívida.

“Certamente as pessoas estão precisando de ajuda, mas quem contrair o microcrédito terá que pagar juros em um cenário de incerteza muito grande. É importante refletir bem sobre os objetivos de tomar essa dívida e pesar se o benefício será maior que o custo, já que a taxa de juros de 3% a 3,5% ao mês é consideravelmente alta”, analisa.

Caixa entra na competição com fintechs de crédito

Juliana também comenta que o microcrédito abre portas para a Caixa entrar em outro segmento, no qual não atuava de forma concreta até o momento. “O carro-chefe da Caixa é o financiamento imobiliário, começar a ofertar microcrédito vai colocar o banco no ringue de competição com fintechs de crédito que assumiram muito bem esse espaço em meio à pandemia. De um lado, isso é positivo, já que mais competição pode eventualmente gerar melhores condições para os clientes. Porém, um banco do tamanho da Caixa entrar nesse segmento pode facilitar o acesso e endividar ainda mais pessoas”, avalia.

Schiozer diz que ainda é cedo para analisar esse possível embate entre a Caixa e as fintechs de crédito. “Não sei quanto a entrada da Caixa pode impactar o mercado das fintechs. Ela tem grande capilaridade ao redor do Brasil, mas ainda não dá para cravar se vai absorver grande parte desse mercado”, diz.

Fonte: Infomoney